Com objetivo de detalhar novos e complexos dados sobre a pandemia no Rio Grande do Sul, o governo do Estado realizou na manhã desta terça-feira (16/3) a primeira edição do Papo Científico. Transmitido ao vivo pelas redes sociais, o novo formato, com participação de especialistas, busca explicar informações científicas que embasam o enfrentamento à Covid-19.
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“Sempre deixamos claro que nosso enfrentamento à pandemia se baseia em dados e evidências. Agora, queremos dividir ainda mais com a comunidade qual é a ciência por trás disso. Esta apresentação de dados é muito importante, com o perfil da ocupação dos leitos, o crescimento que observamos nas internações e nos óbitos, o que estamos observando, ou seja, quais são os dados que subsidiam as medidas adotadas pelo governador e pelo governo. Temos um corpo técnico muito qualificado e muito esforço, muita dedicação, que tem dado colaboração inestimável para que possamos salvar vidas no nosso Estado”, afirmou o governador Eduardo Leite na abertura da live.
Na pauta desta terça (16), a quarta edição do Boletim Genômico, que identifica e analisa as diferentes linhagens de coronavírus em circulação no Estado, com participação da diretora do Centro Estadual de Vigilância em Saúde (Cevs), Cynthia Goulart Molina-Bastos; do farmacêutico da Vigilância Epidemiológica da Secretaria Estadual da Saúde (SES) Eduardo Viegas da Silva; e o especialista em Saúde do Laboratório Central do Estado (Lacen-RS) Richard Steiner Salvato.
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“O Papo Científico vai ajudar a gente a combater as fake news. Porque toda hora surge alguém com a sua própria verdade, apresentando suas versões dos fatos, sem amparar nos dados, em pesquisa. E aqui temos pesquisadores, ciência, dando embasamento para as decisões”, acrescentou Leite.
Divulgado desde 1º de fevereiro, o Boletim Genômico do coronavírus no RS, produzido pelo Cevs e publicado a cada duas semanas no site do governo sobre Covid-19, já está na quarta edição. O documento leva em conta a análise de um conjunto de pacientes hospitalizados, determinando quais as linhagens mais frequentes distribuídas, o que é essencial para a compreensão do avanço da pandemia e para guiar as medidas de controle da doença a serem adotadas pelo Gabinete de Crise.
Para o escopo do quarto boletim, foram consideradas 478 amostras colhidas entre 23 de fevereiro e 9 de março, em 117 municípios, com representatividade de todas as regiões geográficas do Estado, nos diferentes grupos etários, incluindo pacientes internados ou não, além de considerar os atuais indicadores epidemiológicos. A partir disso, o Cevs fez o sequenciamento genômico das amostras e identificou 20 linhagens de coronavírus diferentes em circulação no RS.
De acordo com Salvato, as mutações entre os vírus são extremamente frequentes e, de forma geral, não representam uma alteração no comportamento ou na ação do vírus. As diferentes linhagens são identificadas pelas combinações entre as mutações que permanecem ao longo do tempo.
“A gente vê que a distribuição da linhagem por mês durante a pandemia não é heterogênea. Algumas predominaram no início da pandemia, mas foram perdendo lugar para outras que passaram a predominar. Hoje, no último boletim, temos cinco linhagens predominantes”, afirmou o especialista do Lacen.
Entre estas variantes mapeadas, as mais frequentes em território gaúcho foram, na ordem, B.1.1.28, P2, B.1.1.33, P1 e B.1.1.61.
Pessoas que tenham se contaminado pela Covid-19 em algum momento não podem se considerar imunes à reinfecção pela doença. “Tivemos casos em que a quantidade de anticorpos diminuiu. As reinfecções ocorrem independentemente das variantes. Então, temos de continuar nos cuidando, usando máscara. A solução é a vacinação e a manutenção das medidas de distanciamento”, destacou Salvato.
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Variantes que preocupam
O Boletim Genômico pontua que, apesar do aumento no número de linhagens circulantes, poucas são as que causam preocupação quanto a alterações no comportamento do vírus.
O que tem trazido preocupação no mundo todo é o surgimento de variantes que abrigam um número maior de mutações em proteína chamada Spike, sobretudo, após a recente identificação de duas cepas, uma no Reino Unido, já detectada em outros Estados, e outra na África do Sul, ainda não identificada no Brasil.
No país, a epidemia ocorreu a partir de duas linhagens, denominadas B.1.1.28 e B.1.1.33, que, provavelmente, surgiram em fevereiro de 2020. As variantes P1 e P2, as mais frequentes no 4ª Boletim Genômico do RS, são as que mais preocupam atualmente.
“As variantes vão dominando porque são mais rápidas. Se circulam mais rápido, também começam a gerar novas mutações mais rapidamente. O que nos preocupa atualmente é a P1, mas, categoricamente, neste momento do RS, a predominância nestes vírus que estão aqui não tem nenhuma relação com os pacientes que vieram do Norte do país para ser atendidos solidariamente no RS”, afirmou Cynthia.
A P1 é associada à explosão de casos de Covid-19 em Manaus, no Amazonas, devido à alta capacidade de reprodução e de transmissibilidade. No entanto, o registro da P1 detectado em Gramado, na Serra, ocorreu em 14 de janeiro de 2021, dez dias antes de os primeiros pacientes do Norte do país serem transferidos ao Rio Grande do Sul para receber tratamento hospitalar.
A cepa P2, identificada originalmente no Rio de Janeiro, carrega a mutação E484K no ponto de ligação do receptor da proteína Spike. Além disso, ela se tornou uma das versões mais frequentes da Covid-19 no RS, principalmente a partir de novembro do ano passado.
Perfil dos infectados
Com relação ao perfil dos infectados no RS, os especialistas do Gabinete de Crise têm analisado os indicadores e afirmam que há um número maior de jovens infectados atualmente. No entanto, isso possivelmente acontece porque há uma parcela maior da população contaminada, uma vez que o coronavírus está circulando mais.
“A Covid ainda é uma doença que afeta os mais velhos, e a idade ainda é um fator de risco bem maior. Acontece que, em um momento de incidência do vírus a nível populacional tremendamente alta, a quantidade de pessoas jovens que adoecem e morrem também é alta. A circulação maior do vírus é a grande habilidade que essa nova variante (P1) tem em relação às anteriores, por isso ela predomina”, explicou o farmacêutico do Cevs Eduardo da Silva.
No enfrentamento à pandemia, essa aceleração de propagação do vírus é o que mais preocupa junto ao fato de jovens não serem considerados grupo de risco, o que pode acabar levando a um relaxamento nas medidas de prevenção e aumento da transmissão.
“Se temos tanta gente jovem no hospital, temos muito mais gente jovem fora do hospital transmitindo, em isolamento em casa ou na rua sem saber. Esse é um pouco o exercício que fazemos e que começa a dar medo, porque essas pessoas estão se encontrando, tendo contatos. Portanto, o que não queremos é circulação de pessoas, porque não tem mais como saber quem é esse número gigante que ainda pode estar transmitindo e sem quase nada de sintomas. E não temos leitos para todos se forem infectados todos ao mesmo tempo, porque inevitavelmente uma parcela vai ter quadro grave e até vir a óbito”, acrescentou Cynthia.
Outro ponto observado pelos especialistas é um aumento de pessoas sem comorbidades que se infectaram e estão apresentando gravidade e até mesmo morrendo. O perfil das pessoas internadas, conforme a especialista, não pode ser creditado às mutações do vírus, porque ainda não se tem dados suficientes para isso.
“Como o vírus se espalhou muito e muito rápido, é provável que esse espalhamento tenha afetado uma proporção maior de pessoas, e que na maioria tem um perfil sem comorbidade, que circula mais, que promove mais aglomerações. Além disso, há pessoas que muitas vezes nem são vistas com comorbidades, como o paciente que ronca e tem apneia do sono, ou aquele que abusa de álcool, não faz atividade física, ou que tem um sobrepeso. Esses entram como ‘sem comorbidades’, mas apresentam fatores de risco e às vezes demoram a buscar ajuda, podendo ser tarde demais”, apontou a diretora do Cevs.
Os dados também apontam um tempo maior entre o começo dos sintomas, a procura por atendimento e a efetiva hospitalização. No começo deste ano, a média de tempo para a internação era de seis a sete dias, número que cresceu, nas últimas semanas, para oito ou nove dias.
“O esforço de ampliação de leitos de UTI é impressionante – mais de 150% de leitos em um ano –, algo que sem dúvidas evitou muitas mortes. Neste momento em que nos encontramos, porém, não há leitos que segurem o número de óbitos, nem com a melhor das disponibilidades e dinheiro. Apenas medidas a nível populacional, como uso de máscara, de respeito aos protocolos. Percebemos que as pessoas estão demorando mais para serem internadas, e isso é um sinal de sobrecarga do sistema de saúde. Estamos passando por algo nunca visto, e os dados mostram isso. Precisamos, mais do que nunca, ter uma consciência individual de o quando é necessário sair de casa e ter contato com outras pessoas neste momento”, reflete Cynthia.
Texto: Vanessa Kannenberg e Suzy Scarton
Edição: Marcelo Flach/Secom